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John Wayne nos Açores: "Foi um pé-de-vento naquela cidade"

O ator americano passou por Ponta Delgada em junho de 1963 e ainda há quem se lembre desses dias (e tenha dançado para ele)

É Joana Couto quem está, literalmente, sentada sobre os pés de John Wayne (1907-1979), na fotografia. Hoje com 72 anos e a viver no Canadá desde os 22, Joana fazia parte, com o marido, do Rancho Folclórico da Ilha de São Miguel, que atuou para a estrela dos filmes de John Ford ou Howard Hawks.

Estávamos em junho de 1963 quando, fora do ecrã, apareceu inesperadamente alguém que não era o cowboy de Stagecoach, o homem da cavalaria de She Wore a Yellow Ribbon, o caçador deHatari!, o irlandês de Quiet Man, ou o homem da marinha de Wings of Eagles. A não ser que se considere John Wayne uma personagem de Marion Morrison, o seu nome à nascença, foi ele, que no sábado teria feito 111 anos, quem saiu do seu iate, o Wild Goose (Ganso Selvagem), e caminhou por Ponta Delgada.

O homem que não cabia na porta

"Lembro-me de o iate encostar à doca e de ele ir a pé. As pessoas iam atrás, a rapaziada atrás dele. Aquilo era uma figura... Vinha nas revistas, víamos muitos filmes dele no cinema. Foi um pé-de-vento naquela cidade!" Joana Couto tinha 18 anos naquela altura. "Havia muitas crianças pobres na rua, ele dava-lhes dinheiro. Quando ele morreu, ainda chorei um bocadinho. Não me era nada, mas marcou a minha mocidade."

O tamanho dos seus pés, testado por Joana, era a prova da sua estatura, recorda a açoriana. De outra forma, como poderia equilibrar-se com os seus quase dois metros Duke, como desde cedo Wayne se tornou conhecido? Era ainda rapaz quando alguns bombeiros de Glendale, Califórnia, para onde a sua família se mudou do Iowa, começaram a chamá-lo pelo nome do seu cão, a sua companhia permanente, e Duke ficou. Entre as músicas que Joana Couto se lembra de terem dançado para o ator americano contam-se Sapateia, Bela Aurora e Balho da Povoação.

O rancho atuou no Solar da Graça, que ainda hoje existe, com restaurante e sala de espetáculos. Era conhecido antigamente como "a boîte chic de Ponta Delgada", e Paulo Cruz, filho do fundador Victor Cruz, conta que o Solar da Graça era, nos anos 1960, "o único sítio de música ao vivo, pista de dança, comiam-se umas bifanas, encontrava-se a sociedade, era onde as moças e os rapazes solteiros se encontravam". Victor Cruz trabalhava no consulado americano e o seu inglês fluente terá sido uma das razões para acompanhar Wayne em grande parte da visita.



John Wayne com Victor Cruz, no Solar da Graça

DR

Paulo lembra-se bem de uma história que o seu pai contava acerca de um serão em que o ator bebeu demasiado no Solar da Graça. "Como ele era um homem muito alto, quando foi à casa de banho deu uma valente cabeçada na parte de cima da porta. E disse ao meu pai: Hey Vic, what a hell of a door you"ve got here[Hey Vic, que raio de porta tens aqui]."

"Roubado ao John Wayne"

Além das histórias e das fotografias, há um objeto que Paulo Cruz guarda: outro testemunho da passagem de John Wayne pelos Açores. O seu pai terá sido uma das pessoas a quem o ator deu isqueiros tipo Zippo com a inscrição: "Stolen from John Wayne" (roubado ao John Wayne).



O isqueiro que John Wayne ofereceu, e que Paulo Cruz guarda como herança do pai

DR

As histórias da passagem do ator pelos Açores marcaram quem as viveu e também os seus descendentes, como Paulo, que recorda o entusiasmo do pai. "E imagine o que aquilo foi. Naquela altura nem televisão havia nos Açores."

Wayne jantava no Alcides, o restaurante no centro histórico de Ponta Delgada que ainda hoje é conhecido pelo seu bife. "Era uma presença enorme, nem que fosse pela sua estatura. Ele passava o dia fora, ninguém o largava. O meu pai contava-me que ele era uma pessoa muito interessante e que tinha uma particularidade: bebia uma garrafa de Bourbon todos os dias enquanto comia o bife feito pelo meu pai. Recordava-se com muitas saudades, e devia ser muito curioso, porque falava muito mal inglês, mas fazia questão de passar o jantar todo sentado com ele. Provavelmente era o Victor Cruz, que era um homem muito culto, quem traduzia."

Pedro Alcides, que aqui conta a história, é filho do Alcides, que abriu o restaurante na década de 1950 e que conheceu John Wayne. Deixou as histórias e as imagens daqueles dias ao filho. Entre elas, está a das pessoas na rua, à espera que o americano saísse do restaurante.

Fernando Bulhões ainda guarda o autógrafo do "Duke John Wayne". Apesar de não ter dançado no rancho, também ele, imigrante no Canadá há décadas, esteve no Solar da Graça naquela noite. "Estive também no seu iate, Wild Goose, e uma vez numas verbenas da nossa escola em Ponta Delgada. Deu-me 20 dólares para pagar uma cerveja à malta toda estudante que ajudava."



John Wayne em Lisboa em julho de 1963

ARQUIVO DN

Depois dos Açores, o ator rumaria a Lisboa, atracando em Alcântara. "Sorriso aberto, de blusão cinzento e boné de pala, recebeu os jornalistas sem as atitudes dos habituais medíocres de Hollywood", escrevia o DN no dia 1 de julho de 1963. Depois de alguns dias, John Wayne partiu para Barcelona, onde contracenou com Claudia Cardinale em Circus World, de Henry Hathaway.

Fonte: DN

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