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De bar dos ingleses a porto de abrigo dos velejadores. O Peter faz 100 anos



Começou por ser um bazar de artesanato, passaram a servir bebidas alcoólicas e em 1918 mudaram para o espaço onde esta terça-feira sopram as velas dos 100 anos. Nem o dono sabe por que abriram num dia de Natal. "Mas os padres não devem ter ficado nada contentes!"

Já é costume: todos os dias de Natal, o Peter Café Sport abre as portas para brindar com amigos e clientes. Costuma ser de manhã, mas este ano a festa começa às 17.30 (uma hora mais em Portugal Continental), com um bolo de grandes dimensões, vinho quente, o gin que se tornou referência na Horta, rodeados de amigos, clientes e gente do Faial. Faz 100 anos que Henrique Azevedo abriu as portas do Café Sport, um bar de quatro mesas, no lugar onde ainda se encontra, junto ao porto da cidade.

Foi mesmo num dia de Natal que tudo começou, nem o atual proprietário sabe porquê. "Os padres devem ter ficado zangados com o meu avô", ri-se José Henrique Azevedo ao telefone com o DN. Sabe, pelos anúncios que leu, que é no dia de Natal que se assinala a inauguração. Já foi assim nos 50 e nos 75 anos.



José Henrique é a terceira geração de Azevedos à frente do Peter, mas a quarta geração de comerciantes nesta rua. O bisavô era dono da Casa Açoreana, uma loja de artesanato que ainda no século XIX se mudou para a atual rua para estar mais perto do porto. Já vendiam bebidas alcoólicas, mas em 1918, Henrique Azevedo abriu Café Sport na porta ao lado.

Foi o amor ao desporto que levou Henrique a batizar a casa com este nome. "Gostava muito de desporto - futebol, ténis, pólo aquático". Hábitos que traziam os seus primeiros clientes - os ingleses, alemães, italianos e outros estrangeiros trabalhavam na montagem de cabos submarinos. "As companhias estrangeiras influenciaram muito a ilha culturalmente, e no desporto também. A Horta foi a cidade onde as mulheres começaram a praticar desporto", diz José Henrique Azevedo. Com eles nasceu também o hábito do gin, muito antes da bebida ter entrado na moda. "O nosso é muito fraquinho, toda a gente pode beber, até quem não gosta", diz José Henrique Azevedo.


Depois da II Guerra - outros estrangeiros

O negócio acabaria por ficar nas mãos do seu pai, José Azevedo, conhecido como Peter, o nome que lhe foi dado por um inglês para quem trabalhou antes de tomar as rédeas do negócio familiar e de acrescentar o nome ao Café Sport.

Depois da II Guerra Mundial, José 'Peter' Azevedo ganhou fama, por mais do que o gin servido aos expatriados. Era a sua hospitalidade que deixava marca, conta José Henrique, seu filho, duas horas antes de abrir as portas do Peter para celebrar o centenário da casa com bar aberto e bolo de aniversário.



"Os barcos chegavam e as pessoas não podiam sair porque era preciso um médico. Faziam-nos esperar, o meu pai apresentava-se, perguntava como tinha corrido a viagem. Pedia os passaportes, dizia que ia procurar um médico amigo, conseguia os carimbos, eles podiam sair. Havia uma festa de receção no Peter e no dia seguinte ajudava a comprar o que precisavam e com o que fosse preciso arranjar no barco".

vinham barbudos, descalços, malcheirosos, mas eram sempre bem recebidos.

"Claro que não era como hoje, não havia casa de banho, vinham barbudos, descalços, malcheirosos, mas eram sempre bem recebidos. O meu pai percebeu que eram cultos, educados, com dinheiro", diz José Henrique Azevedo. "Indicava-lhes os banhos públicos e passado uma hora já estava tudo bem", relata.

Se o Café Sport já tinha fama, mais granjeou. As cartas começaram a ser enviadas para o estabelecimento. "Se os correios recebiam dez, nós recebíamos 100, porque quem chegava à sexta-feira à tarde, podia logo ler o que lhe escreviam, sem ter de esperar por segunda-feira. E é muito melhor receber logo as cartas e com uma cerveja fresca à frente", explica José Henrique Azevedo, 58 anos, ao telefone com o DN. Trabalha aqui desde os 18, mas desde os oito, que, rezam as fotos da época, trabalha no Peter. Nessa época, limpava o pó das mesas e recebia chocolates em troca. Era, também, a sua maneira de ver o pai.

O Peter só fecha dois meios dias por ano: o Natal e o Ano Novo

"O meu pai abria e fechava o café", diz José Henrique. O mesmo é dizer que estava lá às 08.00 e encerrava à meia-noite. "Nunca o via, só ao domingo, o dia em que almoçava com a família", conta. O Peter era conhecido por só fechar três meios dias por ano: a tarde do Natal e do dia de Ano Novo e na tarde do São João, dia de festa na montanha. Mas até isso mudou. "A festa no São João já não é tão forte, por isso abrimos o dia todo". Das 08.00 à 01.00 de segunda a sexta, até aos 02.00 às sextas e sábados.


Bar de velejadores e aventureiros

A Horta é um porto abrigado e o que recebe mais iates em toda a Europa, faz questão de explicar José Henrique. "Há portos maiores, mas com menos barcos", diz. "É um sítio onde quem trabalha na vela se sente livre". Nas Caraíbas ou na Europa estão com os patrões ou com os clientes, aqui é onde estão completamente livres, com outros colegas da mesma profissão". E o Peter é, diz o seu proprietário, "uma referência para quem viaja de barco.

Em 2009, num concurso destinado a avaliar bares náuticos ficaram em primeiro lugar. "Somos um bar muito conhecido", constata José Henrique Azevedo, para quem chegar a este 25 de dezembro, ponto alto das celebrações dos 100 anos do Peter Café Sport era muito importante. "Tinha muito o desejo de cumprir este objetivo", diz. Tinha feito uma pausa na decoração do bolo de aniversário para atender o telefonema do DN.





Adeus Lisboa

O ano do centenário marcou também a saída de Lisboa do Peter Café Sport da marina do Parque das Nações, onde estava desde a Expo 98. José Henrique diz que estava a tornar-se "cansativo" manter o negócio na capital, a casa-mãe na Horta, o bar do porto da Horta, os passeios da Whale Watching a que também se dedicam e as lojas na Terceira e em São Miguel. Mas, garante, nunca teve a intenção de vender, não pôs uma placa nem disse a ninguém. Mas recebeu uma proposta da China e aceitou. "Apareceu um jovem a perguntar se estava a venda e falou com o meu filho que lá estava. Disse que aceitava propostas e em 15 dias tinha o sinal", resume.

Não fora isso, e talvez os filhos não tivessem voltado aos Açores, coisa que também aconteceu em 2018. "Comecei logo bem com eles a virem trabalhar comigo", diz. Se a filha mais nova, Mariana, ainda tem de escrever a tese, o mais velho, Pedro (o primeiro Peter da família) e João Henrique, de 27 e 25 anos, trocaram trabalhos em Lisboa pelo negócio da família na Horta ao lado do pai. Um deixou um emprego numa das Big Four da consultadoria, o outro numa multinacional de informática. "Se não tivesse vendido o bar da Expo, se calhar não voltavam".

in dn.pt

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