Header Ads

Bailinhos de Carnaval levam crítica social aos palcos da ilha Terceira durante quatro dias


Na Terceira, nos Açores, seis dezenas de grupos ensaiam as últimas falas para levar aos palcos da ilha danças e bailinhos de Carnaval, carregados de crítica social, numa maratona de teatro popular de sábado a terça-feira.

"O Carnaval é o mangual do povo. É nesta época que o povo tira estes momentos para dizer o que está mal", salientou, em declarações à agência Lusa, João Mendonça, de 51 anos, que participa no Carnaval da Terceira há 46.

As danças de pandeiro ou de espada, os bailinhos e as comédias são peças de teatro com temas cómicos ou trágicos, intercaladas com momentos musicais e coreografias.

Os grupos amadores atuam em palcos por todas as freguesias da ilha Terceira, normalmente nas sociedades filarmónicas, de forma gratuita, arrastando as atuações madrugada dentro, até haver público ou forças para cantar e representar.

Há já algumas sociedades filarmónicas que abrem portas na sexta-feira, mas o mais comum é que as danças e bailinhos atuem entre sábado e a terça-feira de Carnaval.

Em 60 grupos, com mais de 1.200 participantes, será comum ouvir piadas com crítica social, ainda que em muitos casos a base da peça de teatro seja uma briga de vizinhas ou uma traição entre casais.

João Mendonça escreve bailinhos desde os 16 anos, num estilo próprio, mais aproximado das revistas à portuguesa, mas com a rima que caracteriza o Carnaval da Terceira.

Ao longo do ano, vai apontando num caderno temas que possam entrar no "assunto" e como tem facilidade em rimar até ao sábado de Carnaval vai acrescentando novas quadras.

Este ano, o tema do bailinho em que participa é "O papão e o sonho" e conta "a história de um rei que proíbe que os habitantes do reino sonhem", numa crítica a Portugal.

Os "enredos" (peças de teatro) de João Mendonça abordam sempre os mais variados temas da sociedade e este ano não poderia faltar a redução da presença militar norte-americana na Terceira. "Claro que vai haver muita crítica sobre a base das Lajes", frisou.

Já no bailinho de Alcindo Ornelas, este ano, a base das Lajes fica de fora, porque já mereceu destaque no ano passado, por exemplo, numa quadra que o autor recordou: "Há muito freguês/ que vai ficar sem a base americana/ tem de lhe dar para um mês/ aquilo que gastava numa semana".

Com 77 anos, Alcindo é um dos mais experientes participantes do Carnaval terceirense. Em 2015, comemora 60 anos de danças e bailinhos.

Saiu da escola aos nove anos, mas não lhe falta criatividade, nem jeito para a rima e ainda tem bem presentes na memória muitas das quadras que escreveu e que vai dizendo, numa entrevista à agência Lusa: "Toda a vida fui lavrador/ a minha instrução é fraca/ as teclas do meu computador/ foram os tetos das vacas".

João Mendonça e Alcindo Ornelas garantiram nunca terem tido má recetividade do público pela crítica social que incluem nos seus enredos, porque afinal "no Carnaval ninguém leva a mal".

"Não tive problema nenhum até hoje. A minha crítica é mais coletiva e não foca uma individualidade única", salientou João Mendonça.

Alcindo Ornelas já chegou a ter na plateia o então presidente do Governo Regional, Carlos César, quando fazia piadas sobre a rivalidade entre a Terceira e São Miguel, mas nessas alturas diz que o que se nota mais é curiosidade das pessoas pela reação dos atingidos.

A crítica social não o impediu de ser condecorado pela Região Autónoma dos Açores, pela sua participação no Carnaval. Em jeito de brincadeira, diz que o condecoraram para lhe "tapar a boca".

Hoje são as críticas à crise e aos governantes que mais gargalhadas arrancam do público, mas os dois autores ainda se recordam do tempo em que os enredos dos bailinhos passavam primeiro pela censura.

"Eles liam e o que eles não queriam carimbavam para apagar", lembrou Alcindo, acrescentando que num ano um bailinho em que participava chegou a ser mandado parar, só porque dizia que os alunos dos exames de adultos ofereciam galinhas ao inspetor para passar.

Fonte: AO

Sem comentários