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Há um festival para pôr a Ilha Terceira no mapa da gastronomia

Durante três semanas, um conjunto de restaurantes oferece menus acessíveis baseados nos produtos e nas receitas regionais. Experimentámos tantos quantos pudemos e ficou a evidência de um futuro saboroso para a cozinha local.

Resistente, heróica e liberal, a ilha Terceira reivindica também lugar de destaque na história actual onde a gastronomia e o turismo têm papel decisivo. No centro do mundo — e dos impérios coloniais ibéricos — durante séculos, Angra do Heroísmo é hoje uma cidade acolhedora, cuidada e preservada, testemunho vivo dessa imponência longínqua mas também voltada ao futuro e à modernidade que fazem a história contemporânea. Um registo que inclui o modo culinário e a promoção e valorização dos produtos locais, de que o Festival de Gastronomia “Sabores da Inovação” é parte fundamental.

E se foi o centro do mundo no tempo das descobertas e da navegação à vela, a Terceira foi também sede do reino, tanto no curto período de resistência à ocupação filipina como quando D. Pedro IV aqui assumiu a Regência e nomeou Ministério, para fazer ao golpe absolutista que em 1820 se instalou em Lisboa.

Ponto de paragem e abastecimento para as naus e caravelas que cruzavam o Atlântico, em Angra aportavam primeiro todos os produtos e especiarias do novo mundo. Nos seus palácios, conventos e casas senhoriais foram primeiro utilizados e experimentados. É essa Angra, fruto desse legado e património histórico e urbanístico, que é reconhecida pela UNESCO como Património Mundial. Uma Angra que hoje é também do Heroísmo, em reconhecimento pela heróica resistência pela causa liberal, e que aposta na causa da gastronomia como factor de atracção, de promoção, valorização e actualização de um património rico e singular.

Daí que o festival gastronómico que há oito anos consecutivos é promovido pela Câmara de Comércio local ponha a tónica nos “Sabores da Inovação” e na envolvência da restauração de toda a ilha, sabedora que é de que esse é o eixo central na conjugação entre passado e futuro, o esquecimento e notoriedade.

Uma virtuosa conjugação que se impõe ao visitante quando se cruza com os sabores dos preciosos pastéis D. Amélia, carinhosamente fabricados pele pastelaria O Forno, ou a variedade doceira da centenária Pastelaria Athanásio, ambas no centro histórico de Angra. Em contraponto, a fresca modernidade da Quinta dos Ações, um espaço concebido para valorizar a marca Açores, onde, além de refeições saudáveis e uma vista maravilhosa sobre a cidade, é possível encontrar produtos únicos e genuínos da colheita local, das carnes aos queijos, dos iogurtes aos gelados.

No contexto do festival gastronómico, que decorre até 14 de Maio com a participação de 16 restaurantes, uma rápida passagem pela ilha permitiu visitar três casas que dão vivo testemunho da modernidade e competência que por ali se espalham.


Outra das (boas) surpresas tem a ver com a adesão, sobretudo de grupos de jovens, ao programa do festival, fazendo com que em muitos casos a lotação dos restaurantes esgote antecipadamente nas noites de fim-de-semana.

Restaurante Cais de Angra
Alcatra de peixes

Mesmo enquadrado por um ambiente moderno e descontraído, não deixa de surpreender o conceito de contemporaneidade que se destaca no menu escolhido pelo restaurante Cais de Angra. Sala ampla envidraçada nas instalações da marina, que inclui área de esplanada, com decoração simples e serviço cuidado e descomplicado.

Para entrada é servido “consomé de codorniz com chá verde e jasmim da Gorreana”, numa bela e cuidada apresentação. É servido numa base de quinoa e acompanha com cogumelos shitake, acelgas e bolbo de funcho, sendo o consomé acrescentado já na mesa.

Além do cativante efeito visual — os olhos também comem, como se sabe —, convence também pela afinação e equilíbrio de sabores.

Idêntica elegância na “alcatra de peixe com chocolate branco”, uma versão desconstruída e exemplarmente executada da alcatra regional. Cozinhada também em alguidar de barro, com boca negra, garoupa e abrótea, as carnes limpas são reservadas em vácuo e enformadas as gelatinas, para a posterior graciosa construção do prato que inclui minilegumes e planta do gelo. Um belíssimo exemplo de cozinha tradicional em formato atraente e moderno.

Noutra ocasião, tínhamos também ficado com excelente impressão de um polvo crocante e saboroso, que nos explicaram ser confitado em azeite e depois levemente tostado na grelha. É servido com batata assada, pimentos e uma vinagreta de maracujá, e fica na memória gustativa.

Voltando à ementa do festival, há um “peito de novilho estufado com sabores mediterrâneos” como o prato de carne, uma “panna cotta de baunilha enamorada com frutas exóticas”, e, para lá do serviço eficiente, fica a vontade de experimentar as diversas propostas de uma lista que se junta aos diversos momentos do dia. Do petisco para acompanhar uma cerveja, ao lanche jantar ou ceia ligeira.

Q.B.
Cozinha requintada

O nome diz tudo, mas só depois da experiência. Percebe-se que a designação e a estratégia de comunicação deste projecto, moderno e plural, remete para o universo das receitas culinárias, onde os ingredientes são utilizados na porção quanto baste, mas no final da refeição é outro o conceito que se nos agarra à cabeça.

Trata-se de um espaço com cozinha, serviço e instalações para poder perfeitamente integrar um conceito fine dining, mas a ideia é que tudo na proporção Q.B. Ou seja, a alta cozinha está, mas num contexto descontraído despido do formalismo e etiqueta que implicam o fine dining.

O projecto funciona num espaço amplo de uma moradia e jardim criteriosamente recuperados para o efeito. Ao espaço exterior, com esplanada, junta-se uma zona de bar e refeições informais na entrada, ocupando o restaurante com “menu premium” o piso superior e com entrada independente.

Paulo Lourenço, o chef responsável pelo conceito, mostra que sabe ao que anda. As propostas para o festival passam por “carpaccio de polvo, molho verde, salada asiática, romã e crocante de queijo de cabra”, numa conjugação cuidada e elegante que destaca as melhores características de todos os produtos regionais. É proposto o complemento com o vinho Curral Atlantis Verdelho, dos Açores, prova mais uma vez de que as coisas aqui estão num nível elevado.

Grande delicadeza no “lombinho de peixe (salmonete, no caso) corado, arroz malandro de lapas, cebola assada e creme de cogumelos”. Interessante o facto de ser utilizado arroz basmati, que deverá ser acrescentado ao prévio caldo. Num prato de apresentação elaborada, resulta pela elegância mas também por preservar a textura na conjugação com os sabores do caldo, a delicadeza do peixe e a acidez da lima, que igualmente faz parte do conjunto.


Para a proposta carnívora, o “naco de novilho grelhado, legumes grelhados, cebola assada e creme de cogumelos”, atesta o cuidado e rigor de uma cozinha competente.

Convence igualmente o “gelado de manteiga dos Açores com nuvem de queijo São Jorge sobre amendoim torrado”, que nesta ementa de festival é servido como sobremesa. Com uma carta sazonal e com preocupação de destacar produtos regionais, fica um claro convite ao regresso a este Q.B.. E a proposta de um menu degustação por 30€ é praticamente irresistível.


Restaurante Snack Bar O Rocha
Sabores da mestre Sónia na Casa Rocha

À entrada, com esplanada colorida voltada à estrada, temos um daqueles típicos cafés de aldeia mas à medida que vamos passando portas o cenário muda radicalmente. A sala das traseiras posta sobre o mar é cuidada e bem arranjada e o cenário quase idílico.

Quando começamos a perceber que há também mão segura de cozinheira experimentada, então estamos mesmo em bom porto.

Numa cozinha que aborda o receituário típico de contexto piscatório, surpreende o rigor com que são utilizados e cozinhados os legumes, que são uma das maiores preciosidades do Açores. Sónia Melo, assim nos disseram chamar-se a mestre dos fogões, está longe das cozeduras excessivas tradicionais, cozinha-os no ponto exacto, como se tivesse passado pelas melhores escolas de alta cozinha. Não será o caso, certamente.

É avessa também aos excessos de sal e pimentas que, como é sabido, são características dos Açores, e isso é outra boa surpresa.

Para menu do festival propõe um “caldo de peixe em broa de milho”, que só por si mais que justificaria a deslocação a Porto Judeu, mas a coisa não se fica por aí. Há também um “prato saudável” (obrigatório em todos os menus do festival) que é outra demonstração de cozeduras rigorosas, e não fosse o excesso (típico por aqui) de grelha no “naco de atum com cebolada e batata aromatizada”, diríamos estar perante uma cozinha sublime. Assim é só de excelência!

Outra coisa irresistível é o “crocante D. Amélia com gelado de ananás e geleia de abóbora”, assim como o serão os pratos de peixe que oferece a carta da casa.

Além do lugar, ainda com terraço e um relvado sobranceiros ao mar, este Rocha é particularmente convidativo pelas propostas culinárias e o ambiente descontraído e familiar.

Fonte: Publico.pt

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