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O diário de um inglês nos Açores no século XIX



A obra do viajante inglês John Fowler foi traduzida para português e revela pormenores da vida dos açorianos em 1830, desde costumes, atividades económicas, política e segurança militar.

Foi por caso que a investigadora Elisa Gomes da Torre encontrou a obra de John Fowler na biblioteca da Universidade de Oxford, durante um período que esteve na universidade como visiting fellow.

O nome do livro do viajante inglês não fazia prever que no interior estivesse um capítulo dedicado a um naufrágio nos Açores em 1830. "O título 'O Diário de uma Viagem ao Estado de Nova Iorque' não indicia o que se vem a contar e eu tive a sorte ocasional de me deparar com o livro", contou a investigadora.

John Fowler é um inglês que faz uma viagem pelo estado de Nova Iorque nos Estados Unidos da América, com o objetivo de procurar informação sobre as condições para os ingleses que querem imigrar e instalar-se na América. No regresso a Inglaterra, a bordo do Robert Fulton, barco americano com carregamento de farinha, sofre um naufrágio. "É uma autentica tragédia porque eles naufragam a tentar ajudar outra barca", explicou a tradutora.

Todos os 114 passageiros a bordo se salvaram e conseguiram alcançar a costa da Ilha das Flores, onde foram acolhidos pelos habitantes da ilha. Elisa Gomes da Torre decidiu traduzir um excerto da obra para português devido à descrição detalhada da vida na ilha no século XIX.

"A reclusão das mulheres, que não saem de casa. Quando saem, usam aquele capote que lhes tapa completamente a cara. E as que não têm usam lenços a tapar também o rosto. Da classe masculina mais bem instalada na ilha, ele critica sobretudo a indolência. Porque não trabalham e nem se ocupam com desporto, por exemplo. É uma coisa que lhe mete impressão. Uma ilha com tanta caça e eles não caçam. Não passeiam. Para ele é uma é uma autêntica surpresa, como é que com tantos recursos naturais, aqueles homens não fazem absolutamente nada, na opinião dele", detalhou.



Apesar de se deslumbrar com a beleza natural das Flores, John Fowler faz uma dura análise ao contexto político da ilha, numa altura em que Portugal enfrentava a guerra entre liberais e miguelistas. "Há uma crítica muita acesa ao que ele chama a tirania e o despotismo do regime de D. Miguel, na altura das lutas liberais. Ele salvaguarda que só a ilha Terceira é que segue a causa da D. Maria. Tudo o que é referente a poder e política é arrasador. Diz inclusivamente que o povo se sujeita numa servidão completamente mansa à tirania", explicou a tradutora.

Elisa Gomes da Torre refere que é importante fazer um contexto político do personagem para ler "Diário de um náufrago nas Flores e no Faial. John Fowler - Viajante a bordo do Robert Fulton". John Fowler é inglês, liberal, de igreja protestante anglicana "e isto é importante para perceber algumas observações que ele faz quando chega à ilha".

A religião tem uma atenção especial na obra do viajante, porque funciona como algo "exótico para o espírito liberal e anglicano [de Fowler] a começar pela imponência da fachada da igreja. Ainda hoje a matriz de Santa Cruz das Flores é de uma imponência muito grande. Em comparação, ele diz que as pessoas vivem em autênticas choupanas", contou a tradutora.

Através do diário, o viajante realça a beleza da ilha, o clima e a amabilidade das pessoas. John Fowler descreve ainda o leilão dos destroços do navio e da sua carga e conta que os náufragos acabaram por viajar até à Horta, antes de seguirem para Inglaterra. John Fawler dedicou parte da obra aos Dabney, a família norte-americana que marcou a história da ilha durante o século XIX.

"Diário de um náufrago nas Flores e no Faial. John Fowler - Viajante a bordo do Robert Fulton", traduzido por Elisa Gomes da Torre, professora auxiliar da Universidade de Trás-os-Montes, foi publicado pelo IAC, o Instituto Açoriano de Cultura.

in tsf.pt

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