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A história do surf reuniu-se por uns dias nos Açores



Algumas das “lendas” que impulsionaram a modalidade regressaram à competição num formato para mais de 45 e 55 anos. De Tom Curren a Simon Anderson, passando por Layne Beachley, revisitamos a carreira de alguns ícones.


Tom Curren, tricampeão mundial, Layne Beachley, com um recorde feminino de sete títulos, Simon Anderson, inventor das pranchas com três quilhas. Ao todo são 27 lendas do surf e estão em competição até domingo, no Azores Airlines World Masters Championships, na praia de Santa Bárbara, Ribeira Grande, em São Miguel. Alguns não se viam há anos, desde o tempo em que competiam para os vários títulos mundiais, mas, por estes dias, encontram-se num rebuliço de ondas e emoções.

“Esta foi a geração que me influenciou quando comecei há 36 anos”, recorda Rodrigo Herédia, antigo surfista profissional e membro da organização do evento. A prova está sob a alçada da World Surf League (WSL) e tem o apoio do Turismo dos Açores, que reforça a aposta no nicho do desporto. Herédia entrou no mar, pela primeira vez, de prancha debaixo do braço, tinha 11 anos, com um primo, e foi “um dos primeiros a ganhar ordenado em Portugal” por via do surf, além de ser detentor de vários títulos. É quase um momento “único” ter estes titãs todos juntos, assume, num cenário paradisíaco de verde e mar, na praia de Santa Bárbara.

Também o tricampeão mundial Tom Curren, 54 anos, filho do lendário big-rider (que surfa ondas gigantes) Pat Curren, que, por estes dias, chegou da Califórnia, está “entusiasmado por encontrar amigos de competições, que não via há algum tempo”. Uns chegaram da Austrália, outros do Havai, Brasil e até da Nova Zelândia. “Já não vejo alguns há sete anos. É óptimo pôr a conversa em dia sobre a nossa vida”, acrescenta Buzzy Kerbox, havaiano, 61 anos, pioneiro no surf tow-in (técnica que usa assistência para apanhar ondas) no início dos anos 2000.

Modelo, motorista, empregada de mesa
Afinal, o que têm feito estas referências do surf na etapa da vida pós-competição? “Viajo muito, faço surf, procuro ondas”, conta, entusiasmado, Tom Curren que, hoje em dia, é embaixador da Rip Curl. Começou aos seis anos, foi tricampeão mundial (1985, 1986 e 1990) e subiu ao pódio em 33 campeonatos. Buzzy está reformado, já geriu uma escola de surf e venceu vários campeonatos na Austrália e no México. Começou aos dez anos quando se mudou para o Havai e surfava todos os dias, tendo chegado a trabalhar como modelo. Agora, são os filhos que já lhe seguem as pisadas.

Na praia, com acesso pelo Santa Bárbara Eco Beach Resort, onde se desenrola o campeonato, sobra ainda tempo para ouvir outras histórias de vida, como a de Simon Anderson, 64 anos. “Costumávamos surfar quando éramos mais novos. É agradável vir e encontrá-los, conhecer as famílias”, revela, com um sorriso rasgado e negando o estatuto de “lenda do surf”. Um estatuto que decorre também da forma como impulsionou a modalidade ao testar a introdução de uma terceira quilha que garante maior estabilidade às pranchas. Uma invenção de sucesso. “Apresentei a novidade ao mundo nos anos 1990 e é muito melhor no oceano, sobretudo para pessoas mais altas”, explica.

Ao lado, Glen Winton vai contando que começou aos seis anos com os irmãos que apanhavam ondas no mar da Austrália. “Não foi fácil. Mais ninguém surfava com aquela idade”, lembra. Já adulto, teve muitos empregos, alguns em simultâneo: chegou a ser condutor de Uber e a trabalhar nas minas (mas não se adaptou) para conseguir sobreviver e ter dinheiro para competir.

Também o conterrâneo Terry Richardson, 63 anos, trabalhou durante duas décadas para poder suportar as despesas inerentes à participação nos campeonatos. Hoje está reformado, mas continua a surfar porque, não há outra forma de o dizer, está-lhe "no sangue”. “Foi natural a primeira vez que surfei. É sempre uma sensação de satisfação e de prazer”, descreve o ex-atleta que escreveu a sua história no livro Richo - The Terry Richard Story.


É fácil perceber que nenhum destes ícones teve a vida facilitada para chegar aonde chegou. A australiana Layne Beachley, 46 anos, é só mais exemplo: com sete títulos mundiais, chegou a ter vários empregos em simultâneo – desde ensinar a modalidade a empregada de mesa –, para conseguir ter sucesso. Começou aos quatro anos. “Cresci na praia e adoro água”, confessa.

Treino redobrado e dieta
Todos, sem excepção, estão nos Açores para ganhar, mesmo que muitos não conheçam as ondas de Santa Bárbara, como é o caso de Tom Curren que, olhar fixo no mar, lá vai dizendo que foi a primeira vez que surfou nesta praia “com ondas que são um grande desafio”. Buzzy Kerbox, do Havai, descreveu-as como “traiçoeiras” de tão fortes que estavam. Todos levam a competição muito a sério.

Muitos vieram alguns dias mais cedo para treinar e conhecer as ondas. “A primeira coisa é fazer o reconhecimento da praia, da formação e da cadência das ondas. No fundo, é ler o mar e perceber como usar trunfos, desde a direcção das ondas, porque a escolha da onda é fundamental”, elucida Rodrigo Herédia. E se é para ganhar, então, há que usar todos os truques.

Os preparativos para o Azores Airlines World Masters Championships começaram há meses, logo que receberam os convites. Surfar mais ainda, treinos no ginásio e dieta. Glen Winton, por exemplo, emagreceu mais de dez quilos para participar. E até deixou de trabalhar durante três meses para se treinar e vencer na categoria de Grand Masters, uma das três em competição agora nesta etapa nos Açores para atletas com mais de 55 anos.

Há mais duas, o Masters para surfistas entre os 45 e 55 anos, onde se inclui João Alexandre “Dapin”, o único português em prova, e – “pela primeira vez na história do surf”, garante Rodrigo Herédia – o Masters feminino, no qual participam seis antigas atletas, como as australianas Layne Beachley e Pam Burridge, 53 anos, a primeira profissional na Austrália que já não compete há mais de uma década.

“Fui o número dois no mundo. Já ganhei 25 competições”, desfia, referindo que viajou pelo mundo a surfar e que agora gere uma escola de surf. “Já não via a Frieda Zamba há anos”, confessa. Ao seu lado está a norte-americana da mesma idade, que chegou da Costa Rica, onde vive há poucos anos. A história desta atleta começou na Flórida, de onde é natural, aos 11 anos. Foi a norte-americana mais jovem a ganhar uma etapa Pro Tour e campeã mundial aos 19 anos, e conquistou quatro títulos mundiais, a maioria deles na Austrália.

“Tenho um estilo mais agressivo”, justifica. Compreende-se. Afinal, durante muito tempo, no sítio onde vivia, era a única rapariga a surfar e competia contra os rapazes. “Apanhei as melhores ondas na Indonésia e Costa Rica, onde vivo agora. Mas aqui as ondas são mais quentes do que pensava”, avalia.

Também a australiana Layne Beachley é hoje considerada uma lenda no surf, mas teve de começar num mundo e homens. Por estes dias é motivadora profissional, faz palestras e workshops de liderança pelo mundo fora. E tem uma fundação que ajuda outras mulheres a concretizarem os seus sonhos.

Os tempos mudaram, reconhecem os atletas. Quando Rodrigo Herédia começou a surfar, a modalidade não era reconhecida. “Ainda era muito conotada com a droga, as pessoas achavam que não fazíamos nada, que passávamos o dia na praia”, recorda. O agora empresário fez parte da geração dos anos 1980 “que não fumava nem bebia e se deitava muito cedo para ir para a praia logo de manhã”, recorda.

Tinha apenas 17 anos e foi um dos primeiros profissionais a viver do surf, com patrocínios de marcas ligadas à modalidade e a receber um salário. Por essa altura, as pranchas eram maiores e mais pesadas; “não havia Internet, telemóveis nem previsão do mar”. “Era tudo com base no verso do jornal, que tinha sempre as previsões meteorológicas”, graceja.

in publico.pt

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