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AÇORES, VULCÕES E DEVOÇÕES

Crónica de João Gago da Câmara na Visão

Sempre há, sempre houve, estes resistentes que se foram deixando ficar e que aqui estão para prosseguir. Para eles, deste lado de cá do mar não há fogo de vulcão, nem vaga alterosa, nem chuva e vento tempestuoso que lhes mexam com chamateias e pezinhos, teares, malhões e folclores, vinho de cheiro, alcatras, lapas e cracas, nesta persistência heroica de querer ser rochedo apesar do isolamento entre a Europa e a América

Getty Images


O oeste envia, os Açores recebem. Ventos tempestuosos, chuvas torrenciais, nascem no Golfo do México, sobem o Atlântico Norte e desancam estas ilhas açorianas. Invernos sem dó nem piedade contrariam verões harmoniosos com tempos amenos e quentes que ajudam as gentes a festejarem as divindades que é suposto pararem ventos e vulcões. Este mau tempo atlântico que fustiga impiedosamente as ilhas, desde as Flores a ocidente, a Santa Maria a oriente, destrói e causa provações nas suas tempestuosas passagens. Assim foram também os vulcões que, embora jantem connosco à mesa em manjares cozidos em terras quentes de caldeiras, deixam temor e respeito.

Se repararem, três destas ilhas têm nomes de Santos: Santa Maria, São Miguel e São Jorge e dentro dos seus interiores de aldeias, freguesias e lugares outros santos há porque este povo curva-se perante divindades: Santa Cruz na Graciosa e nas Flores, Santa Bárbara, São Bartolomeu, São Brás e São Mateus na Terceira, São Roque no Pico … e mais há em outras geografias.

Quem cá vive ou nos visita sabe haver um triângulo tempestade-vulcão-divindades e entre os vértices deste um povo devoto a santos e procissões que as organiza no verão e que saem à rua desde 1564.

As ilhas não fogem hoje a 26 vulcões ativos, oito deles submarinos, havendo curiosamente um que, do ponto de vista turístico, se distingue dos demais por ser o único vulcão visitável do mundo, o Algar do Carvão, na ilha Terceira. E geralmente todos os que cá vêm gostam de observar, e de sentir, este povo de olhos postos num passado turbulento saindo à rua em procissões de agradecimento à virgem e a outras divindades, pedindo-lhes misericórdia e cumprindo a tradição religiosa, que é também profana e cultural com gastronomias próprias, vinda de meados do século XVI. De maio a setembro é bonito ver ruas atapetadas de azáleas, de hortências e de incensos que são almofadas de passos lentos de gente que se enfileira para em rezas monocórdicas pedir distância dos anos de destruição, de morte e de fuga para a emigração. Todavia, sempre há, sempre houve, estes resistentes que se foram deixando ficar e que aqui estão para prosseguir. Para eles, deste lado de cá do mar não há fogo de vulcão, nem vaga alterosa, nem chuva e vento tempestuoso que lhes mexam com chamateias e pezinhos, teares, malhões e folclores, vinho de cheiro, alcatras, lapas e cracas, nesta persistência heroica de querer ser rochedo apesar do isolamento entre a Europa e a América.

in visao.sapo.pt

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