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Sismo de 80: "Angra ficou como uma cidade bombardeada. Nunca mais nada foi igual"



Há 40 anos, um terramoto de magnitude 7.2 na escala de Richter abalou os Açores, matando mais de 70 pessoas. Poucos dias depois, os açorianos puseram mãos à obra e deram a volta à tragédia.


Era dia de Ano Novo. Faltavam 18 minutos para as quatro da tarde. O sol convidava ao passeio mas Armando Mendes estava na sociedade filarmónica da freguesia das Cinco Ribeiras a afinar a viola para um espetáculo.

"O chão começa a fazer ondas. De repente, começou a cair qualquer coisa em cima do edifício da sociedade", conta.

O prédio de construção mais recente acabava de ser atingido pela igreja da paróquia que, construída em 1872, não resistiu ao sismo de magnitude 7.2 na escala de Richter. "Nós ficamos lá debaixo".

Armando Mendes procurou uma saída mas, sem sucesso, voltou aos camarins para dar a má notícia a José Machado, que o acompanhava no ensaio: "A gente hoje não sai daqui".

A resposta foi pronta: "Se morrer hoje ou amanhã, já sou velho, não faz mal. Tu é que és muito novo para morrer". Tinha 18 anos.

Conseguem sair ilesos graças a uma retroescavadora. Quando sai, olha para a freguesia parcialmente devastada mas só quando chega a casa, à freguesia das Doze Ribeiras, se depara com o cenário mais desolador.

"Mais de 90% - acho que 99% - do parque habitacional das Doze Ribeiras caiu. Era mesmo um pandemónio. Era a destruição total", recorda.

Nas Doze Ribeiras, a freguesia mais afetada pelo sismo na Ilha Terceira, apenas duas casas ficaram habitáveis.

Apesar da destruição, Maria Alice Dias, na altura com 18 anos, recorda que grande parte da população escapou com vida.

"Só tivemos dois mortos, felizmente. Foi uma rapariga da minha idade e uma outra senhora. Fomos felizes nessa parte porque se é de noite, se calhar, vai muito mais gente", afirma.


"Nunca mais nada foi igual"

O sismo de 1 de janeiro de 1980 provocou mais de 70 mortos, cerca de 400 feridos e perto de 30 mil desalojados.

O epicentro do terramoto estava a 35 km da cidade de Angra do Heroísmo na Terceira, provocando graves estragos na ilha. O sismo, considerado o mais destrutivo dos últimos duzentos anos em Portugal, também afetou as ilhas de São Jorge e Graciosa.

Francisco Maduro Dias, historiador natural da Terceira, explica que o sismo, que durou entre 20 e 30 segundos, provocou destruição em praticamente toda a ilha.

"Angra ficou como se fosse uma cidade bombardeada e as casas das pessoas e a vida delas ficou como se alguém tivesse chegado à mesa do almoço e puxado a toalha. Nunca mais nada foi igual", conta.

Maduro Dias explica que os estragos atingiram números muito grandes para a escala da Terceira."Nós estamos a falar de uma ilha que tinha cerca 60 mil habitantes e cerca de 30 mil ficam instantaneamente sem casa". Durante meses, milhares de pessoas viveram em tendas e módulos.

Maria Alice Dias perdeu tudo. Conseguiu resgatar algumas mobílias dos escombros, que armazenou numa tenda. Numa outra, mais pequena, fazia o dia-a-dia. "Dormiam nove pessoas lá dentro".

"Lembro-me de uma pessoa que tinha os seus livros dentro de sacos plásticos encostados a um canto da tenda e, de manhã, tinham de pôr mais umas tábuas por baixo para ver se os livros não apanhavam água", recorda Maduro Dias.

A ilha era estaleiro

Foi um inverno chuvoso que tornou o pós-sismo num tempo que muitos terceirenses não gostam de recordar. Ainda assim, Armando Mendes garante que, rapidamente, a população pôs mãos à obra, começando a auto reconstrução.

"Há ali um dia ou dois em que as pessoas não estão bem, estão apáticas. Mas há alguns momentos que invertem isso. O momento inicial foi o socorro. O socorro foi rápido. A partir do momento em que as pessoas percebem que não estão sozinhas, mudam de atitude e começam já a pensar em recuperar as suas casas", relembra.

Maduro Dias concorda. Na altura, integrou o Gabinete de Apoio à Reconstrução (GAR), estabelecido apenas três ou quatro dias depois do sismo. O historiador garante que foi essencial para o retomar de uma vida normal. A burocracia foi posta de lado, o governo distribuiu materiais de construção e abriu linhas de crédito acessíveis.

"Todos os técnicos saíram dos seus gabinetes e foram em torno da ilha, três vezes por semana, e davam apoio no local às pessoas que estavam a fazer as suas obras", explica, garantindo que o tema da construção entrou para o vocabulário de todos os terceirenses.

"Toda a gente ficou a saber o que ferro de oito, ferro de seis, ferro de doze, vigas de oito. Não faz ideia do que era entrar num café e ver gente que três meses antes estava preocupada com o resultado do jogo de futebol e discutia quando é que iam pôr a placa, que tipo de azulejos iam pôr. A ilha inteira ficou transformada num enorme estaleiro de construção", explica.

"Se não posso sair daqui então vou pôr a casa em pé"

A criação do GAR evitou a saída em massa de população da ilha mas também "a manobra política oficial, com êxito, para junto dos Estados Unidos e Canadá, bloquear a emigração".

"Se não posso sair daqui então vou pôr a casa em pé. Ao contrário das outras crises sísmicas, esse fechar a porta, obrigou as pessoas a terem que resolver o seu problema", afirma Maduro Dias.

Armando Mendes hoje trabalha como jornalista. É chefe de redação do Diário Insular. Acredita que o governo açoriano conseguiu reter população na região devido a um sistema político recente, conjugado com uma decisão política de iniciar a reconstrução rapidamente.

"A autonomia era jovem - tinha apenas quatro anos - queria afirmar-se e não podia permitir mais uma fuga da sua população. Eu julgo que essa recusa da oferta norte-americana [de uma linha de emigração direta para os sinistrados do sismo de 80] estará muito ligada a uma pessoa chamada Mota Amaral que recusou essa linha de emigração mas deu uma contra partida imediata: "tomem lá dinheiro a juros tão baixos que nunca sonharam". As pessoas agarraram esses materiais e esse dinheiro e não pensaram em emigrar", conclui.

Quarenta anos depois do sismo, Maduro Dias garante que quem passou pelo abalo tem cicatrizes que nem sempre se veem. "Quem se lembra, não gosta especificamente de se lembrar", temendo que muitos terceirenses sofram de uma espécie de stress pós-traumático.

"Eu penso que muitos de nós ficamos com efeitos disso, da mesma maneira que militares que voltam da guerra. Às vezes tenho a sensação de que alguém me roubou tempo, coisas, situações, projetos".

in tsf.pt



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