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Richard Garriott já foi ao espaço, mas diz que subir à montanha do Pico foi mais complicado




“Esta foi, definitivamente, a subida mais difícil em que já participei. Ainda bem que não sabia que ia ser tão difícil, se não teria questionado se devia ter vindo”, confessou à Lusa o norte-americano que lidera a sociedade fundada em 1904 nos Estados Unidos.

“Já fiz muitas viagens, mas na maior parte delas estava dentro de uma cápsula ou sentado numa cadeira”, atirou o norte-americano filho de um astronauta da NASA, que esteve em 2008 na Estação Espacial Internacional como “turista espacial” e desceu à Fossa das Marianas, o ponto mais fundo do oceano, no Pacífico.

A subida ao Pico foi o último ponto da Cimeira Global da Exploração, que juntou cientistas, aventureiros e criadores de novas tecnologias a trocarem experiências e a anunciarem cenários futuros para a exploração ligadas à ciência e ao ambiente.

Entre eles, a geóloga Nina Lanza, responsável por uma das equipas que opera o robô Perseverance, em Marte, e o surfista português Hugo Vau, detentor do recorde da maior onda já surfada.

O caminho começa no fim da estrada que leva à Casa de Apoio da Montanha, a 1.200 metros de altitude. O primeiro gesto “oficial” de quem inicia a jornada é tocar no Anjo, uma escultura metálica antes dos degraus que sinalizam o início.

Entre os membros do Clube dos Exploradores, admite-se uma obsessão com os “primeiros”, como o primeiro a ir ao cimo do Evereste, o primeiro a explorar o ponto mais fundo do oceano.

Richard Garriott tem os seus bem decorados: “Fui a primeira pessoa a juntar a exploração da Terra de polo a polo, a ir ao espaço e a ir ao ponto mais profundo…e a subir ao cimo do Pico”.

O percurso até ao cimo do vulcão adormecido fez-se de noite, uma noite praticamente sem dormir em busca da emoção de ver o Sol nascer a mais de 2.200 metros de altitude.

São mais ou menos quatro horas para cima e quatro horas para baixo numa montanha que é “um desafio para a maior parte das pessoas, uma superação”, diz à agência Lusa a guia Raisa de Oliveira Santos, de 31 anos, uma natural de Porto Alegre que há seis anos se apaixonou, primeiro por uma pessoa, e depois pelo arquipélago dos Açores.

Noite fora, incentiva constantemente o grupo que tem que vencer 47 marcos de distância para chegar à cratera, onde o aguarda a última etapa: os cerca de 70 metros do Piquinho, uma elevação que se sobe à força de mãos e pés, trepando a caminho da recompensa de chegar ao topo.

Para muitos, é uma etapa que o rigor da subida não permite ultrapassar.

Ricardo, de 23 anos, guia há cinco pessoas na viagem ao cimo do Pico. Se Raisa é efusiva e motivadora, o jovem natural das Lages é a presença serena que acompanha os que ficam mais para trás e os ajuda a encontrarem um ritmo que lhes permita a tal “superação”.

Por vezes, corre mal, como para um candidato a alpinista que chegou ao cimo da montanha e aí torceu um pé e ficou inutilizado para a difícil descida.

Nesses casos, a solução é chamar a equipa especial de resgate dos bombeiros, composta por seis a oito elementos que se vão revezando a carregar a maca na descida

Outras vezes, o desfecho é feito de emoções diferentes: “Tive uma subida complicada com uma senhora que tinha bastante dificuldade. Chegámos à cratera e eu aconselhei-a a não subir o Piquinho. Ela olhou para mim a chorar e disse que tinha mesmo que o fazer”, recorda.

“Tinha esta viagem planeada com o filho, que tinha morrido um mês antes. Eu disse-lhe: ‘A senhora vai subir o Pico’. Assim foi e lá em cima, abraçámo-nos”, acrescenta o estudante de Psicologia, que vive a maior parte do ano em Lisboa.

Começado o percurso, ao fim de poucos minutos já se trilha por cima de basalto que começou como lava cuspida pelo vulcão e que, ao solidificar, ganhou para sempre a forma da massa incandescente que escorreu pela montanha, como se fossem claras em castelo.

A cerca de 1.500 metros de altura, para-se para o primeiro descanso e para comer e beber água. O cacimbo que acompanhou a primeira hora de subida desapareceu. Desligam-se as lanternas, olha-se para cima e para os lados e há um céu de planetário.

Nina Lanza, a geóloga norte-americana com a cabeça em Marte, olha e aponta: ali Cassiopeia, ali Júpiter, ali a Ursa Maior.

“É sempre maravilhoso estar um pouco mais perto do espaço e de Marte, que vive no meu coração e que levo para todo o lado, tal como estar nesta montanha vulcânica em que vemos coisas iguais às que existem em Marte, como as crateras basálticas”, disse à Lusa.

Cerca das seis da manhã, no alto do Piquinho, concentram-se algumas dezenas de pessoas de vários grupos que subiram durante a noite.

Todos os olhos estão virados para nascente. Bebe-se café e chá quente. Partilha-se um cobertor. Quase não há vento, mas, para aquecer, há quem se encoste a uma das rochas aquecidas pelas fumarolas que não deixam esquecer que se está em cima de um vulcão formado há centenas de milhares de anos.

A recompensa do esforço que começou pelas duas da manhã aparece com o sol. Os excursionistas que chegaram ao Piquinho põem-se em equilíbrio precário nas rochas do cume para as fotografias. Nina Lanza faz o pino.

Desde há dois anos, o único português membro do Clube dos Exploradores é Hugo Vau, que surfou em 2018 na Nazaré a que foi considerada a maior onda de sempre, com uma altura estimada de 35 metros.

Junte-se mais de dois quilómetros a esse recorde e o lisboeta que se fixou na ilha Terceira também parece estar no seu elemento. Durante a noite, foi a voz mais animada durante a subida, encorajando os da dianteira e impacientando-se quando o ritmo era mais lento.

O sol já está bem marcado no horizonte e a oeste desenha-se nas nuvens a sombra da montanha. Hugo vai à mochila e pega numa garrafa de aguardente portuguesa para propor um brinde, a que nenhum astronauta ou cientista resiste.

A “Big Mama” que lhe trouxe reconhecimento foi uma onda grande, mas a maior chegará dentro de algumas semanas: “Ter uma criança a caminho é a maior e mais longa onda da minha vida e a que me vai dar mais felicidade”.

“Para mim, é uma grande honra fazer parte deste grupo de pessoas extraordinárias. Eu simplesmente ia à praia surfar quando era miúdo. Quando vou para a água, vou com a intenção de me divertir, primeiro que tudo, mas também explorar os meus limites, colocar-me em situações em que não sabemos como vamos reagir. Há uma ambição de experimentar, de ter sensações novas”, diz à Lusa.

A sensação de estar acima das nuvens e o golo de aguardente dão ânimo ao grupo para começar a descida, que não é fácil.

O cansaço da subida acumula-se nas pernas e até à Casa da Montanha há os mesmos 47 postes para contar e a passagem por zonas como o “Vale dos Caídos”, onde os trilhos forrados de brita vulcânica são especialmente escorregadios.

Por: António Pereira Neves da agência Lusa


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