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Açores, um segredo (ainda) bem guardado no Atlântico



Relatório científico divulgado esta sexta-feira chama a atenção para a importância de criar mais áreas marinhas protegidas nos Açores, bem como o estabelecimento de planos de gestão e regulamentação para aquelas que já existem.



O relatório científico resultante de duas expedições científicas da Fundação Oceano Azul aos Açores, em 2016 e 2018, aponta quatro prioridades para as políticas de conservação marinha no arquipélago. Entre essas prioridades assinaladas no relatório – apresentado esta sexta-feira à tarde na ilha de São Miguel pelo Governo Regional dos Açores e a Fundação Oceano Azul – está o aumento de áreas com protecção total na zona económica exclusiva (ZEE) açoriana e a aplicação efectiva das áreas de conservação já existentes.

Em 2016, a Fundação Oceano Azul e a Fundação Waitt tinham organizado uma expedição ao grupo oriental de ilhas açorianas – Santa Maria, São Miguel e ilhéus das Formigas. Seguiu-se em 2018 outra expedição, que passou a incluir também o programa Mares Prístinos da National Geographic e a Universidade dos Açores, e que se centrou no mar do Corvo, das Flores, do Pico e em alguns montes submarinos nas redondezas. Foi nesta última campanha que se descobriu um campo hidrotermal no complexo do Gigante, montes submarinos situados entre as ilhas das Flores e do Faial, na Dorsal Médio-Atlântica, zona onde as placas tectónicas norte-americana e euroasiática se afastam e nasce crosta terrestre nova.


Este campo hidrotermal, onde vem água quente do interior da Terra, encontra-se a 570 metros de profundidade, tendo sido descoberto pelo robô submarino não tripulado Luso (da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental) que ia a bordo do navio NRP Almirante Gago Coutinho (da Marinha), a participarem ambos na expedição. Por isso, o campo hidrotermal, que ocupa uma área de 400 metros quadrados, recebeu o nome Luso.



Além do campo hidrotermal Luso, no mar profundo os investigadores descobriram o jardim de coral mais extenso e denso até hoje nos Açores, formado pela gorgónia do género Paragorgia. “Algumas das colónias atingiam mais de um metro de altura e 1,5 metros de diâmetro, tendo uma idade estimada superior a um século e encontravam-se ainda intactas. Outras, no entanto, apresentavam sinais de impactos significativos de palangres de fundo [arte de pesca]”, nota o relatório, acrescentando que a densidade, o tamanho e o carácter único deste jardim fazem desta área um excelente candidato a um “ecossistema marinho vulnerável” e que deve ter protecção total.


Os resultados das expedições de 2016 e 2018 aos Açores já se traduziram num memorando de entendimento, estabelecido em Fevereiro de 2019, entre a Fundação Oceano Azul, a Fundação Waitt e o Governo Regional dos Açores. Uma das medidas desta parceria é que, até 2022, seguindo-se outros três anos de acompanhamento, o Governo Regional dos Açores irá precisamente criar mais 15% de novas áreas marinhas protegidas na ZEE da região – ou seja, mais 150 mil quilómetros quadrados de novas áreas marinhas com protecção total. Juntar-se-ão a cerca de 3,5% da ZEE açoriana que já tem hoje algum tipo de protecção (35 mil quilómetros quadrados), não tendo muitas dessas áreas regulamentação para a pesca e outras actividades. No entanto, com protecção total, essas áreas são menos de 1% do mar dos Açores.

Outras medidas do memorando são a actualização e elaboração de regulamentação e de planos de gestão destas áreas de protecção já criadas, o desenvolvimento de formas sustentáveis de gestão das pescas e, ainda, o lançamento de um programa de literacia do oceano nas escolas do arquipélago.


Todos estes aspectos do memorando constam agora do relatório científico Blue Azores – O Segredo Mais bem Guardado do Atlântico, que analisa o estado de saúde dos ecossistemas marinhos avaliados nas duas expedições e que é agora apresentado em São Miguel na presença do presidente do Governo Regional dos Açores, Vasco Cordeiro, do ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, bem como do presidente da Fundação Oceano Azul, Tiago Pitta e Cunha, e da directora executiva do Instituto Waitt, Kathryn Mengerink. É também divulgado um documentário com o selo da National Geographic realizado durante a campanha de 2018 – Expedição Oceano Azul – Um Novo Caminho para o Futuro. As imagens que nos chegam da expedição, em particular do fundo do mar, são aliás deslumbrantes – como, entre muito outros exemplos possíveis, as de um grupo de jamantas a passar vagarosamente pelos mergulhadores.
A questão da pesca



“Os Açores são uma das maiores áreas mundiais onde a pesca de arrasto é proibida, pelo que as principais ameaças estão ligadas aos palangres, redes de deriva ilegais, pesca excessiva junto à costa e actividades ilegais. As áreas actuais totalmente protegidas são muito pequenas, por isso a maioria dos ecossistemas é afectada principalmente pela pesca comercial”, nota o relatório, sublinhando que em 2018 o palangre de superfície contribuiu para 47,2% de todo o esforço de pesca nos Açores, seguindo-se o método do salto-e-vara e o palangre de fundo, e que espadartes, espadins e tubarões pelágicos (como o tubarão-azul e tubarão-anequim) foram os alvos principais das artes de pesca.


“Globalmente, o esforço de pesca na ZEE dos Açores é significativo e cobre a maior parte das águas da região. É particularmente elevado entre as 100 e as 200 milhas náuticas da ZEE e na região exterior à ZEE, onde quase 40 navios de bandeira espanhola actuam com palangre de superfície, com uma intensidade de até 1000 dias-navio por ano. As capturas de espadartes e tubarões quase triplicaram desde os anos 50”, refere ainda o relatório científico, assinado à cabeça pelo norte-americano Alan Friedlander, o cientista-chefe do programa Mares Prístinos da National Geographic.

“Estes resultados chamam a atenção para a necessidade de implementação urgente de áreas marinhas protegidas com protecção total de grande dimensão e de medidas de regulamentação de pesca muito mais eficazes em toda a região”, prossegue o relatório. “Os estudos científicos actuais, incluindo os resultados destas expedições, não mostraram benéficos claros da conservação nas áreas marinhas protegidas, excepto nas que são fortemente protegidas.”

 in publico.pt

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