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Primeira escala do Concorde na ilha de Santa Maria foi há 45 anos


Durante 6 anos, o Concorde teve um voo semanal de Paris a Caracas, com escala em Santa Maria

No passado dia 21 de Janeiro, celebrou-se o 45.º aniversário dos dois voos inaugurais do Concorde realizados pela BritishAirways, de Londres para o Bahrein, e pela Air France, de Paris para o Rio de Janeiro, com escala em Dakar, no Senegal. Um marco na história da aviação. O avião comercial mais rápido do mundo era motivo de orgulho para as duas companhias aéreas que o operavam. Mas a 9 de Abril de 1976, a Air France inaugurava a rota Paris-Caracas, incluindo uma escala no arquipélago dos Açores, mais precisamente na ilha de Santa Maria, para efeitos de reabastecimento. As rotas para a América do Sul, com destino para o Rio de Janeiro, no Brasil, e para Caracas, na Venezuela, exigiam “escalas de reabastecimento”.


 Ostentando uma longa pista, o aeroporto de Santa Maria “serviu como uma escala de reabastecimento para todos os voos transatlânticos. Como o Concorde exigia mais pista do que qualquer outro jacto comercial, também provou ser o local ideal para reabastecer o avião na sua rota de e para Caracas.”

No entanto, não seria a primeira vez que o avião Concorde vinha ao arquipélago dos Açores. Decorria o ano de 1971 quando Richard Nixon e Georges Pompidou, Presidente dos Estados Unidos da América e Primeiro-Ministro da França respectivamente, se reuniram na ilha Terceira para uma cimeira. A 12 de Dezembro daquele ano, quem se encontrava presente no Aeroporto Internacional das Lajes, nomeadamente os anfitriões e repórteres que aguardavam pela chegada das duas figuras políticas, bem como locais, teve o privilégio de ver o Concorde. Nesta fase, o avião mais avançado do mundo ainda se encontrava em voos experimentais. Pompidou voava no supersónico Concorde “para exibir o prestígio de uma França que se assumia como líder da Europa”.

“Na década de 70, há um momento alto na utilização do aeroporto de Santa Maria para escala regular do Concorde. No caso da Air France, era o voo Paris-Caracas”, citação dita pelo Engenheiro Paulo Noia, historiador de aviação, no documentário “Santa Maria Connection”, que retrata a história e desenvolvimento do aeroporto de Santa Maria. Neste mesmo documentário, Pierre Louise Breil, assistente de manutenção em terra da Air France, disse que “toda a ilha de Santa Maria vinha ao aeroporto ver o Concorde. Podia-se entrar na pista facilmente e ver o avião de perto. Não havia polícias para impedir as pessoas de entrar”. Com este relato, é possível deduzir a agitação e entusiasmo envolta do Concorde quando este ali aterrava.



A bordo do Concorde

Tivemos oportunidade de conversar com Douglas Hallawell, ex-tripulante do Concorde na Air France. Nascido e criado no Brasil, filho de pai inglês e mãe francesa, Douglas Hallawell mudou-se para Paris em 1972. A sua esposa, Katherine, também foi comissária de bordo. Douglas viajou nos últimos dois voos para Caracas, com escala em Santa Maria, e para o Rio de Janeiro em Março de 1982.

Trabalhou como comissário de bordo no Concorde nos primeiros dois anos da década de 80. “Era o único tripulante a falar português e espanhol. Por isso, viajava mais nas rotas com destino para o Rio de Janeiro ou a Cidade do México. Aqui nestas, ficávamos certa de 3 ou 4 dias. Nos outros destinos, não ultrapassava as 24 horas”, conta Douglas. “Esta época era a melhor de todas pois tinha toda a frota: 7 aviões e 5 rotas com 7 destinos. A partir de Novembro 1982, metade dos tripulantes, nomeadamente os comissários de bordo, tiveram que deixar de trabalhar no Concorde para voltar a trabalhar na frota da Air France, principalmente nos jumbos 747 Boeing. A razão para tal foi devido ao facto de que a companhia áerea ter acabado com três das cinco rotas (Rio de Janeiro, Caracas e Cidade do México), ficando apenas Nova Iorque e Washington. Nos anos seguintes, as duas companhias, a Air France e a BritishAirways tentaram compensar com voos charter. A Air France fê-lo nos anos 90 até ao acidente de 2000. Também fazia muitos voos ‘flights to nowhere’ que eram de 1h45 ou 2h30 com uma porção em supersónico por cima do Canal da Mancha Eram voos de iniciação abertos ao publico e com bilhetes a custar à volta de 1.000 euros.”

Conforme nos explicou o comissário de bordo, devido à sua velocidade, “o Concorde voava um terço mais alto do que qualquer avião subsónico. Na sua altitude de cruzeiro, de 18.280 metros, não existe nebulosidade nenhuma. O céu é de um azul profundo com uma perfeita visibilidade. Dava para ver que o planeta era redondo. Mas não se podia esquecer que são condições perfeitas para um voo sem qualquer visibilidade. Muito agradável para todo a bordo. Nunca ouvi falar de algum passageiro com queixas.”

Ao fazer escala em Santa Maria, Douglas conta que os passageiros geralmente aguardavam a bordo do avião. “Ouvi falar que às vezes tinham opção de desembarcar durante o tempo de reabastecer o avião. Infelizmente, eu nunca tinha a oportunidade de visitar o aeroporto. Lembro-me das condições de ‘approach’ (abordagem) da ilha, antes da aterragem, onde o avião mexia bastante por causa dos ventos laterais. Os pilotos gostavam, sem dúvida!”

Do Concorde, guarda boas recordações. “Era um avião tão diferente dos outros...Conheci quase todos os meus colegas. Era uma comunidade bastante íntima onde dava para voar várias vezes com colegas que conhecia bem.” 

Douglas explica que o Concorde tinha algumas regras que não existiam em outros aviões da frota da Air France. “A companhia não aceitava qualquer falha humana como deixar cair uma gota de champanhe ou bebida num passageiro. A comida tinha que ser servida na hora e na temperatura perfeita.” O avião não tinha aquecimento do porão e por isso, os animais viajavam dentro da cabine. “Um dia num voo Paris-Nova Iorque, com saída às 11h00, fui obrigado a servir ao cachorro o mesmo almoço que a dona! Só não comeu a sobremesa.” No tempo em que trabalhou no Concorde, viu os mais famosos ou ricos do planeta. “A viúva francesa, a tal dona do cachorro, viajava sempre no Concorde, pagando duas passagens. Antes do acidente em 2000, uma ida e volta a Nova Iorque custava por volta de 8.000 euros. Pouco antes da sua morte, vi o famoso cantor Gene Kelly, autor da música ‘Singing in therain’. Meses depois, vi a princesa Grace Kelly. O Concorde era, de certo, um avião para poucos e exigentes passageiros.”

Sobre o desfecho do Concordo, refere que “foi um desastre não só para a companhia francesa, mas também para a França e para a BritishAirways. Para a Alemanha, também porque todas as vítimas eram alemãs. As duas frotas ficaram imobilizadas durante 15 meses, voltando a fazer voos comerciais até ao ano de 2003, quando acabou definitivamente a era dos voos supersónicos.”

Após ter passado pelo Concorde, voltou a trabalhar nos jumbos e mais tarde no Airbus 340. “A vida de tripulante mudou muito, mas era positiva. Os voos subsónicos nesta época davam muito tempo de descanso nas escalas. E a rede subsónica da Air France era considerada a maior do mundo depois da falha de PanAmerican. Voei para muitos países até o fim da minha carreira em 2001.”

A residir no Algarve desde 2019, admite que nunca visitou os Açores. “Talvez para os 50 anos de casamento. Quem sabe?”

 

O incidente a 10 de Outubro de 1981

Neste dia, ao regressar deCaracas para Santa Maria, o Concorde sofre um colapso. “Devido a um súbito vazamento hidráulico em altitude de cruzeiro, o Concorde teve que mergulhar até ao nariz para baixo de 60.000 pés aterrando de emergência na ilha de Guadalupe”, nas Caraíbas. Os dois mecânicos da Air France encontravam-se em Santa Maria, tendo a companhia aérea enviado os mecânicos com base na capital venezuelana para reparar o avião. Após este incidente, foi decidido que partir daquele momento, um mecânico estaria presente em toda a viagem pois até então, desembarcavam quando o Concorde fazia escala técnica em Santa Maria, depois de vir de Paris.

Douglas Hallawell encontrava-se neste voo. “Entre Caracas e Santa Maria, de repente, e sem aviso prévio, a avião ‘caiu’ do céu e no mesmo instante com uma viragem brutal a esquerda. Bati na partição lateral do galley (oficina) com uma bandeja cheia de copos de bebidas na mão. Caí por cima de vidro quebrado e líquidos no chão. O que um tripulante não poderia fazer era deixar cair qualquer líquido no chão por causa do sistema electrónico sensível situado por baixo. Pelo menos, não me magoei. Os passageiros, apavorados, gritaram sem parar, especialmente os que me viram bater e cair. Fiz o que fui formado fazer, neste caso fechar tudo no galley para impedir objectos de entrarem no cockpit. E primordial, numa situação assim, proteger os três tripulantes no cockpit. Só depois é que me sentei sem a possibilidade de passar na cabine parar verificação dos cintos apertados. O ângulo de descida não o permitia! Após uns 15 minutos de descida de urgência, ouvi o som mais forte dos motores indicando nivelamento do avião”, acabando por aterrar em Pointe-à-Pitre.


“É uma parte da minha vida que guardo com muito carinho”

Paula Barros, natural de Santa Maria, foi funcionária da Air France, no aeroporto de Santa Maria, entre 1976 e 1982. Já trabalhava no aeroporto, mas numa agência de viagens. “Fazia assistência aos passageiros que vinham no avião. Portanto, o avião tinha a rota Paris-Santa Maria-Caracas, isto à Sexta-feira e no Sábado, regressava, parando novamente aqui. Quando o Concorde parava em Santa Maria, o tempo de escala técnica era geralmente de uma hora, os passageiros tinham que sair do avião. A Air France arranjou um espaço no restaurante do aeroporto, também decorado pela companhia aérea, para receber esses mesmos passageiros. Era-lhes dado uns aperitivos, canapés, champanhe vindo de França.”

Esta mariense não só teve oportunidade de subir a bordo do Concorde, como também voou nele. Conforme nos contou, os funcionários não podiam andar no Concorde, a não ser que fosse em serviço, uma política imposta pela Air France. “Não queriam misturar os passageiros VIP com os funcionários da companhia. Mas tive uma oportunidade de voar. Uma vez, um director geral da companhia passou por cá, e sendo a única funcionária cá, pedi-lhe um bilhete para ir até à Venezuela e regressar no Sábado. Isto para depois fazer a assistência dos passageiros no regresso. Na altura, disse-me que sim, mas pensei que não fosse adiante com o meu pedido. Arranjou-me o bilhete, e arranjei o visto, e fui na Sexta-feira para Venezuela e regressei a Santa Maria, no Sábado.” O dia 23 de Outubro de 1981 ficará para sempre guardado na memória de Paula Barros. Teve a oportunidade de fazer a passagem da barreira do som no cockpit a convite do comandante “O comandante disse-me que avisava quando ultrapassemos a barreira do som. Sente-se um “sacão” e entra-se naquela velocidade... O Concorde voava uma altitude que era o dobro dos outros aviões, de maneira que o avião quando se encontrava na estratosfera, era possível ver a curvatura da Terra. “Foi uma experiência muito boa para mim. Algo que nunca mais me esqueço.” 

Questionada sobre como era quando o Concorde parava na ilha de Santa Maria e como a população reagia, Paula responde: “não faz ideia do número de pessoas que ia para a cabeceira da pista para ver o avião descolar. Era um perigo, claro. O Concorde era uma distracção para as pessoas. Um avião muito bonito.” No entanto, explica um facto: “passavam à velocidade supersónica muito próximo do arquipélago, algo que não podiam fazer, mas que o faziam para chegar mais depressa ao destino. Principalmente, no Nordeste, em São Miguel, há relatos de as janelas estremecerem.”

Quando o Concorde deixou de operar, revela ter tido pena. “Acabou aquela série dos aviões supersónicos, foi triste, mas aconteceu aquilo [acidente]. É melhor repensarem se alguma vez vão recomeçar.”

Após esta fase da sua vida, Paula Barros gostaria de ter continuado no ramo da aviação. “É uma parte da minha vida que guardo com muito carinho.”


O fim de uma era

“Ficou decerto na memória colectiva de muitos a escala dos supersónico Concorde em Santa Maria durante décadas passadas, tendo a ilha tido o privilégio de ser uma das poucas localizações por onde passou esta icónica aeronave”, como referiu Francisco Cunha, autor do livro “IDN 1851 – O desastre aéreo de Santa Maria”, num artigo publicado. O mesmo refere que para além do Concorde, houve um outro avião supersónico que “contemplou a possibilidade de operar” para aquela ilha. Falamos do Tupolev Tu-144, “De origem soviética, apenas realizou voos civis entre 1975-83”. Foi apelidado de “Concordski” devido à sua semelhança externa com o Concorde, cujo uma das suas rotas que ligaria Moscovo a Cuba, implicava uma escala para reabastecimento em Santa Maria.

A última vez que o Concorde esteve naquela ilha, mas da companhia aérea BritishAirways, foi a 9 de Março de 2003. Decerto, uma despedida que terá sido emocionada, encerrando assim um ciclo na história da aviação açoriana, mas sobretudo para a população mariense que ao longo de várias décadas pôde observar de perto o emblemático avião.


in diariodosacores.pt

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